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Sábado, 27 Abril 2024

Seca histórica na Amazônia em 2023 foi 30 vezes mais provável devido à mudança climática

A mudança do clima, decorrente da ação antrópica, está por trás da seca histórica na bacia do rio Amazonas em 2023. O episódio reduziu o volume dos rios para níveis mínimos em mais de 120 anos de medição, secando por completo em alguns trechos e afetando rios tributários, e impactou milhões de pessoas que vivem na região. Os cientistas identificaram que o aquecimento global tornou a seca que atingiu a região 30 vezes mais provável e que o aumento das temperaturas foi determinante para a intensidade e extensão do episódio.

Segundo os pesquisadores, os conjuntos de dados analisados indicam que o evento 'excepcional' e 'devastador', como o ocorrido no ano passado em larga escala, poderia ocorrer a cada 350 anos. Em janeiro deste ano, mesmo após o início da estação chuvosa, a seca continua em partes da bacia do Rio Amazonas.

A análise rápida de atribuição, divulgada no dia 24 pelo World Weather Attribution (WWA), foi elaborada por uma equipe internacional de 18 cientistas climáticos de universidades e agências meteorológicas do Brasil, Dinamarca, Reino Unido e Países Baixos. Cinco pesquisadores brasileiros participaram do estudo. O trabalho foi revisado por pares.

Foto: Tadeu Rocha/FAS

De acordo com o climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e que integrou o grupo responsável pelo estudo, Lincoln Alves, a análise rápida de atribuição utiliza metodologias consolidadas e já publicadas em artigos científicos. A análise é elaborada logo após a ocorrência de um evento extremo com objetivo de quantificar a contribuição da ação antrópica. Um artigo científico demoraria, em média, um ano até ser publicado. "Depois de um ano, talvez essa temática não teria tanta atenção da sociedade e/ou dos governantes", analisa Alves.

Para quantificar o efeito das mudanças climáticas na seca registrada entre junho e novembro de 2023 na região amazônica, os cientistas analisaram dados meteorológicos e modelaram simulações para comparar o clima como é hoje, após cerca de 1,2°C de aquecimento global, com o clima pré-industrial.

Os pesquisadores utilizaram dois índices para caracterizar o evento extremo de seca. O Índice Padronizado de Precipitação (IPS), que considera apenas a precipitação e é usado para medir a seca meteorológica; e o Índice Padronizado de Evapotranspiração de Precipitação (SPEI), que considera a precipitação e evapotranspiração (a evaporação da água das plantas e dos solos provocada por alta temperaturas) que mede a seca agrícola e reflete melhor os impactos humanos da seca.

Segundo o estudo, a probabilidade de ocorrência de seca meteorológica aumentou em dez vezes, enquanto a seca agrícola aumentou em 30 vezes. Sem os efeitos da mudança do clima, a seca poderia ser classificada como 'severa', e não 'excepcional'.

A modelagem estatística também foi usada para compreender a influência do El Niño na seca histórica. Os pesquisadores identificaram que o El Niño, o aquecimento superficial das águas equatoriais no Pacífico, e as mudanças climáticas reduziram a quantidade de chuvas aproximadamente na mesma proporção. Ou seja, o fenômeno teve um impacto muito menor.

Na avaliação professora de oceanografia física e clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que integra o grupo que elaborou a análise de atribuição, Regina Rodrigues, as altas temperaturas registradas na região foram determinantes para exacerbar a seca na maior floresta tropical.

"A temperatura foi fator primordial, não foi apenas déficit de chuvas. As altas temperaturas tiveram um papel importante nessa seca e estão atreladas a mudança do clima", 

explica.

Segundo Rodrigues, o período seco na Amazônia começou muito mais cedo, em junho, fora do período que normalmente se espera de impacto para o El Niño, e as anomalias de temperatura das águas do Atlântico Norte, que estavam fora do padrão esperado, também contribuíram. "A seca começou no Norte no rio Negro, atingindo os valores mais baixos em 120 anos, e se espalhou por toda a bacia. A temperatura tem papel preponderante para a evapotranspiração da floresta", explica.

Rodrigues, que também integra a Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (Rede Clima), relata que durante o período de seca foram registradas ondas de calor com duração de cerca de cinco a seis dias e com temperaturas em torno de 40 graus. O pesquisador do Inpe corrobora e afirma que as temperaturas ficaram em geral de 2 a 3°C acima da média em grande parte da Amazônia e por grande parte do período analisado.

O estudo confirma o que pesquisadores brasileiros já haviam sinalizado no ano passado de que o fenômeno El Niño não era o principal fator de pressão sobre a seca na região, especialmente na região do sudoeste da Amazônia, que sofre ação direta do aquecimento das águas do Atlântico Tropical Norte, que estavam aquecidas. À época, o calor também foi apontado como principal hipótese pelo aquecimento da água do lago Tefé, o que provocou a morte de centenas de botos e tucuxis.

Impactos sobre a floresta preservada 

Rodrigues alerta que o impacto da seca na maior floresta tropical do mundo e em especial em áreas mais preservadas, como é o caso da região mais ao norte da região amazônica, onde está a bacia do Rio Negro, suscita questões quanto à resiliência física da floresta ao aquecimento global. "Esse evento é preocupante [por ter atingido] no Rio Negro, que é Norte e Nordeste [da Amazônia], onde a floresta está mais preservada e isolada", expressa.

A floresta Amazônica é um hotspot global de biodiversidade e considerada um tipping point (ponto de não retorno) global da mudança do clima pelos serviços ecossistêmicos que fornece, como a regulação do clima.

De acordo com a pesquisadora, regiões que sofreram algum grau de interferência desenvolvem 'mecanismos de treinamento', que são adaptações genéticas para enfrentar situações adversas, como o aprofundamento das raízes, para se tornar mais resiliente. Contudo, a floresta mais preservada é menos resiliente a essas pressões, apresentando vulnerabilidade à variabilidade física. "A mudança está levando a seca para essa região onde a floresta está menos preparada, e por isso é mais vulnerável, não tem genética para resolver. Isso é mais preocupante para o tipping point", explica.

Segundo Ben Clarke, do Instituto Grantham do Imperial College, no Reino Unido, o principal achado do estudo foi uma "consistente elevação de temperaturas em larga escala e isso significa que temos mais evapotranspiração". Ele destacou que o quadro indica necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa. "Se continuarmos a ter mais emissões de GEE, isso significa que teremos mais evapotranspiração e mais secas", afirmou Clarke. De acordo com a análise, se aquecimento global atingir 2°C, secas excepcionais similares a de 2023 poderão ocorrer a cada 13 anos.


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