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Sexta, 26 Abril 2024

Mais que tempero, pimenta é crença e sustento para etnia Baniwa na Amazônia

MANAUS - Que a pimenta é um tempero imprescindível nas receitas amazônicas, já se sabe. No entanto, o legume da família Solanaceae representa muito mais para a etnia Baniwa. Este povo acredita que a pimenta é alimento para corpo e alma. Em 2016, a história da etnia ganhará as páginas de um livro intitulado 'Pimenta Baniwa', resultado do estudo feito pelo pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), Adeilson Lopes da Silva.
A realidade dos baniwa se entrelaça, de fato, ao cultivo da pimenta jiquitaia e, por isso, ganha destaque ao criar um espaço destinado para a produção da tradicional do legume. Em entrevista ao Portal Amazônia, Adeilson Lopes contou que convive há 10 anos com a etnia. Ele coordena as atividades de apoio ao projeto 'Pimenta Baniwa' e acredita que os indígenas detém um sistema de produção que é um verdadeiro patrimônio. "O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro já foi considerado patrimônio imaterial do Brasil por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Um ícone deste sistema é justamente a pimenta, uma planta domesticada pelos povos amazônicos a milhares de ano atrás, e que hoje é um dos temperos mais cultivados e consumidos do mundo", afirmou.O livro do pesquisador reúne informações importantes sobre a experiência que vem sendo dedicada à produção da pimenta jiquitaia. O projeto foi pensado a partir da parceria entre o ISA, a Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi) e várias organizações indígenas da bacia do rio Içana. A pesquisa 'Projeto Pimentas na Bacia Içana-Ayari: bases para a sustentabilidade da produção e comercialização' serviu de embasamento para o livro e contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), através do Programa Jovem Cientista Amazônida (Edital 010/2006 - Chamada II).


Para indígenas pimenta significa proteção. Foto: Diego Oliveira/Portal AmazôniaLendas e rituaisPara entender a ligação dos Baniwas com a pimenta é preciso relembrar as histórias contadas pelos idosos. Reza a lenda que o surgimento e primeiro uso da pimenta aconteceu quando o jovem indío Ñapirikoli utilizou a pimenta para cozinhar um peixe cru que continha esporão e conseguiu neutralizar o perigo do alimento. Em outro momento, Ñapirikoli usou a pimenta para escapar do estômago de uma cobra. De acordo com o indígena André Baniwa que também é presidente da OIBI, a pimenta significa proteção e é usada geralmente em cerimônias como a iniciação da vida adulta, dessa forma todas as gerações serão protegidas. Um dos rituais de destaque é o benzimento de alimentos, chamado de 'Kalidzamai'. O ritual marca o final dos períodos de reclusão dos jovens que estão saindo da infância e se tornando adultos. Para os índigenas, quando os adolescentes ingerem as pimentas abençoadas pelos adultos são protegidos por um escudo invesível.Para as jovens índias, o processo de formação chama-se naiteetakano. É o momento quando as moças tem a primeira mestruação. "Quando os jovens atingem uma determinada idade são levados para um certo lugar, no caso dos meninos eles vão para o mato e podem levar pessoas que serão seus guias. As moças quando mestruam pela primeira vez, permanecem dentro de casa. A pimenta aparece quando essas pessoas são apresentadas para a aldeia, pela primeira vez como adultos. Os baniwa acreditam que a pimenta vai servir para proteger os caminhos destas jovens recém formadas. Nós acreditamos nos mundos invisíveis, como plantas e animais que podem fazer os humanos adoecerem. Por isso, o legume aparece como simbolo de proteção", disse.Comercialização

Atualmente, a Casa da Pimenta conta com três sedes: uma localizada na Escola Pamaáli, no rio Içana (300 quilômetros distante de São Gabriel da Cachoeira), na comunidade Yamado, na margem direita do Rio Negro, defronte à cidade e na comunidade de Tunuí-Cachoeira, (300 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira). Em 2014, a produção das casas alcançou mais de 4,2 mil potinhos de 35 ml de pimenta. Foram comercializadas cerca de 3,6 mil unidades por uma rede de 30 postos de venda.Já em 2015, os indígenas começaram a exportar a pimenta para a Holanda. A experiência foi satisfatória na opinião de André Baniwa. "Pela primeira vez, vendemos o nosso produto da Amazônia para o mundo. Alguns países já receberam nossos produtos durante feiras e exposições, com a ajuda do Chef Alex Atala", comentou. 
Indígenas receberam a visita de chefs renomados. Foto: Divulgação/ISAPropriedades medicinaisSegundo os nutricionistas, a pimenta é um alimento funcional, ou seja, tem poder de cura. Os benefícios do legume são inúmeros, e pode ser usado para tratar até 60 patologias diferentes, como por exemplo, o câncer de próstata, gastrite e processos inflamatórios, além de melhorar a libido sexual de homens e mulheres. Outro ponto positivo para as pessoas que costumam comer pimenta é o fator termogênico que auxilia na queima de gordura do corpo humano.As pessoas que praticam atividades físicas são as mais beneficiadas pela ação terapêutica da pimenta. "Dependendo da rotina de atividades desenvolvidas pela pessoa a ação da pimenta poderá ser perceptível. Na nossa região, existe uma gama enorme de peixes e carnes que ficam ótimas com o tempero apimentado. Mas não se pode exagerar", alertou o nutricionista Rennã Verde.
O conhecimento indígena na opinião de Rennã é o que orienta a maioria das descobertas da medicina. "Eu acredito que eles preservam uma prática saudável. Esses costumes, passados de pai para filho, ganham cada vez mais força. O amazonense tem ao seu redor um cardápio vasto,  derivado do conhecimento indígena?", concluiu o nutricionista. Ficou curioso? Veja os principais benefícios da pimenta para o corpo humano:

No prato do amazônidaNa mesa da dona de casa Maria do Carmo pode faltar qualquer coisa, menos a famosa pimenta malagueta. Ela usa o legume principalmente quando faz caldeirada de Tambaqui, peixe tipico da região Norte. "É uma delícia. A pimenta dá um sabor extra para as comidas. Meu esposo não é fã, mas eu tento fazê-lo comer também. Não entendo pessoas que não gostam de pimenta", contou aos risos.Ao ser questionada sobre os benefícios para a saúde, Maria, confessou que não conhece nenhum e ficou surpresa quando descobriu no que a pimenta pode auxiliar. "Puxa vida (risos). Se eu soubesse que era bom para as pessoas eu teria comido mais. Agora vou comprar o dobro de pimenta na feira. São coisas que geralmente as pessoas não procuram, porque para mim, até então, a pimenta era apenas um tempero", disse.O legume é tão apreciado na culinária que vai até no chocolate. Por um tempo, a assistente administrativa Julia Pontes vendeu chocolates na faculdade para pagar as mensalidades. Entre os sabores estava o de chocolate com pimenta. "Era o que mais saia. Meus colegas da faculdade já faziam pedidos antes de eu chegar. A pimenta combina com qualquer sabor, seja ele salgado ou doce", disparou a jovem. Falamos tanto sobre pimenta e comidas regionais que deu até água na boca. O Portal Amazônia mostra agora uma receita usada pelos Baniwas. Confira:

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