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Sexta, 19 Abril 2024

Caminhos e melhores práticas para conselhos de unidades de conservação


Foto: Reprodução/WWF-BrasilMANAUS - O artigo 225 da Constituição brasileira diz que a proteção ambiental é tarefa do estado e da sociedade. A lei do SNUC, que rege as unidades de conservação, estabelece que aquelas que sejam de proteção integral, como Parques Nacionais, tenham conselhos consultivos; e as de uso sustentável, como reservas extrativistas, conselhos deliberativos. Portanto, define a forma como o conselho opera, mas não a sua finalidade. Ambos os tipos de conselhos são reconhecidos como Gestores pelo Ministério do Meio Ambiente (ver Gestão Participativa no SNUC, MMA, 2004, p. 19), o que implica na finalidade do conselho, quer seja deliberando diretamente sobre a gestão ou sobre posicionamentos em unidades de conservação de uso integral.Trata-se da gestão participativa, estabelecida em 1981 com a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), através da Lei 6.938 de 1981. Portanto, anterior à constituição “cidadã” de 1988. Isto mostra que o ambientalismo é precursor e ativo construtor da democracia no Brasil, e não mera consequência da mesma. É preciso desafiar o senso comum que “lei é para cumprir” (e não para discutir!). Leis são feitas pelos homens, e constituem um “retrato das relações históricas no momento em que são feitas”, como defende o Ministro Eduardo Cardoso. Sob a ótica da possibilidade de coexistência pacífica, as leis devem ser percebidas como elo fundamental do “contrato social”.Não obstante, alguns gestores valem-se da descontextualização histórica do termo “consultivo” para entendê-lo como opcional. Nem na idade média o conceito de conselho foi tão restrito. Um senhor feudal tinha como conselheiros, não quem lhe aprouvesse, mas os representantes de seus senhores d’armas e os ignorar poderia representar a perda de aliados. Talvez, a afeição dos gestores dos Parques Fortalezas pelo estereótipo medieval, os inclinem a ignorar o percurso da democracia brasileira e a considerar a participação como um favor à sociedade civil.Na administração pública contemporânea, “consultivo” é entendido como instância de democracia participativa cuja finalidade é aprimorar o controle social, aquele exercido pela sociedade civil sobre a administração pública, tanto no nível da governança, como no CONAMA, quanto no da gestão -- como deveria ocorrer nos Parques Nacionais. Tal caracterização e função não são novas. È o que fazemos em nossos condomínios, quando nos debruçamos e conferimos a prestação de contas da gestão do síndico, ou escolhemos qual obra faremos primeiro. Representam, sobretudo, a possibilidade de equilíbrio à gestão, algo que deveria ser estimulado em tempos tão conturbados pelos escândalos de corrupção.Sugestões para um Conselho Consultivo Gestor"Já a deliberação por consenso implica pôr-se no lugar do outro, dedicar-se ao problema. Embora o consenso demore mais, produz maior adesão ao pactuado e menor rejeição."Um elemento preponderante para caracterizar a igualdade de participação e a justiça desse processo é paradoxalmente não ser centrado no voto, onde a maioria vence e a minoria perde. Na arena política, os embates usualmente exploram o uso da força e do prestígio de um ator em detrimento de outros. Vivenciei um caso emblemático numa reunião do conselho do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, onde o conselheiro-advogado-representante dos arrozeiros ocupava uma vaga diferente da destinada ao sindicato patronal dos produtores rurais! As deliberações pelo voto tendem a produzir fragmentação e conflitos, onde setores minoritários sempre perdem e setores de maior prestígio quase sempre ganham, porém muitas vezes “não levam”. Isso reproduz a exclusão que o cidadão conhece do cotidiano:  instituições que operam em causa própria. Não é preciso mais, para entender as consequências no árduo processo de internalização de nossas unidades de conservação, principalmente por quem tem suas terras e vidas desapropriadas ou afetadas.Já a deliberação por consenso implica pôr-se no lugar do outro, dedicar-se ao problema. Embora o consenso demore mais, produz maior adesão ao pactuado e menor rejeição. De qualquer forma, temos desperdiçado muito mais tempo (na escala de décadas) pela insistência na política linear de primeiro regularizar todo a área, para depois produzirmos planos de manejo enciclopédicos, conhecê-los à fundo e só aí começar o gerenciamento. Até 2007, nenhuma UC federal tinha 100% de regularização fundiária! Somos o país das leis e ordenamentos que não pegam, mas insistimos nas mesmas receitas!Na deliberação por consenso também perde sentido a inflação de representatividade, já que não é o voto quantitativo, mas a capacidade de diálogo que mais conta.As “eleições” devem ser conduzidas por uma comissão mista, e não pelo chefe de unidade ou só por servidores. A lei estabelece a paridade entre público e privado, o que normalmente é respeitado. O problema maior vem novamente na desproporção de setores da sociedade civil. No Parque Nacional de São Joaquim houve uma experiência bem-sucedida em um conselho enxuto, onde os representantes de cada setor (por exemplo turismo, universidade), mantêm um bom diálogo com os outros atores do setor que representam. Esta articulação fora do conselho tende a atuar como um promotor da cultura de participação.Um ponto pouco observado é a definição de setores correspondentes aos objetivos da categoria de Unidade de conservação no SNUC. Este é o pulo do gato, por exemplo, para o setor turismo não ser confundido com o setor lazer/recreação, que são tratados por legislações diferentes. Outro problema de legitimidade é a representação de entes públicos sem diploma institucional adequado. Nas universidades, quem fala em nome da instituição é o reitor; na polícia ambiental, é o comandante do comando ambiental. Diplomas ilegítimos (exemplo: procuração de chefe de departamento) não devem ser aceitos e isso favorece o debate interdisciplinar sobre as UCs nestas instituições. A ideia é que se tenha participação não só da biologia, mas de vários outros campos de conhecimento; não só da polícia militar ambiental, mas de várias outros entes públicos, que não sabem que têm muito a contribuir com nossas UCs. Estes atores, devem ser buscados de forma ativa!Os regimentos devem fugir do “juridiquês” para estimular a participação e empoderar o conselho. A construção do regimento muitas vezes é o primeiro contato com a legislação, e uma ótima oportunidade de exercitar sua internalização. Outra prática importante é a leitura, correção e aprovação de atas, que possibilitam o exercício de divergir com tranquilidade.É fundamental o respeito ao quórum e a interrupção dos trabalhos quando este é perdido. Assim se constrói um debate saudável. Senão, a desmobilização é a consequência, principalmente daqueles que abdicam do trabalho, têm parcos recursos, ou viajam horas para participar das reuniões onde as regras são de ocasião.O trabalho das câmaras técnicas (CT) e grupos de trabalho não são definidos no SNUC. Mas, por analogia, deve-se recorrer ao consolidado no regimento do CONAMA: São órgãos auxiliares e subordinados à plenária do conselho. Uma maneira para tornar o debate das CT célere sem ferir a subordinação ao conselho é a distribuição de problemas, por exemplo à CT, cujo parecer é então encaminhado ao conselho.Se no conselho gestor consultivo delibera-se sobre o “parecer” da câmara técnica, o chefe de unidade tem que cumprir?  Não! A regra é clara! Mas, pareceres bem argumentados e dialogados com todos os envolvidos normalmente ajudarão o gestor. Caso um “bom” parecer não seja adotado pelo chefe de unidade, cabe ao conselho cobrar o preço político da inobservância!Se a Lei permite todo este processo, por que ele não ocorre? Porque embora necessária, a lei não é suficiente. Apesar da contribuição de intelectuais como Paulo Freire, ainda precisamos construir a cultura da mediação.Parece trabalhoso gerenciar Parques de forma democrática no país? O que sabemos é que gerenciá-los de forma autoritária tem sido um fracasso retumbante!

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