O resultado revelou, por exemplo, o quanto a castanheira é importante na cultura material do povo Suruí.
Saber como os povos das etnias Suruí e Gavião utilizam as madeiras existentes nas terras indígenas onde vivem, em municípios do sudeste do Pará, moveu a pesquisa realizada pela engenheira florestal Laise de Jesus dos Santos, do Laboratório de Ciência e Tecnologia da Madeira do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Recursos Naturais e Sustentabilidade na Amazônia (PPGTEC), da Universidade do Estado do Pará (Uepa), em Marabá.
A escolha das etnias se justifica pela localização das terras, tendo em vista que a região sudeste do Pará sempre se destaca no cenário do desmatamento e degradação florestal da Amazônia e que os povos indígenas são desafiados a enfrentar a perda de diversidade bioflorestal dentro de suas terras.
O resultado da pesquisa, revelou, por exemplo, o quanto a castanheira (Bertholletia excelsa) – espécie ameaçada de extinção, que atualmente possui lei exclusiva para protegê-la no Brasil -, é importante na cultura material do povo Suruí. A exploração desenfreada, tanto dos recursos extrativistas, como do uso do caule pelo setor madeireiro, tem um contraponto quando se observa a relação que os povos Suruí e Gavião estabelecem no manejo da árvore, pois a utilizam como fonte de sementes.
“Inclusive, atualmente, as sementes fazem parte da economia dessas populações. Eles coletam essas sementes e comercializam com a população não indígena. Mas, no nosso estudo, observamos o uso integral dos recursos dessa árvore: sementes, caule, casca e também da madeira. Nesse caso, o uso da madeira é totalmente permitido pela legislação, porque o uso que eles fazem é altamente sustentável”,
explica o professor Luiz Lima.
No processo de identificação das madeiras utilizadas pelos Suruí e Gavião surgiram várias informações que não estavam registradas na literatura, como o uso da Mutamba (Guazuma ulmifolia Lam.). Luiz Lima, professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Recursos Naturais e Sustentabilidade na Amazônia (PPGTEC-Uepa), afirma que “não havia nenhum tipo de registro na literatura de que o carvão moído da mutamba pudesse ser utilizado como corante e os indígenas utilizam o carvão dessa madeira não para cozinhar ou algo do tipo, mas para moer e misturar com o líquido do jenipapo e o fruto do jenipapo ralado e produzem uma tinta negra que tem uma fixação corporal de até 15 dias”. Ele conclui que a pesquisa proporcionou uma série de descobertas que enriqueceram muito a área.
Por essas e outras razões, a engenheira Laise dos Santos, egressa da Uepa, ressalta que, como especialista em anatomia da madeira, aprendeu muito sobre sua área ao se aproximar dos ensinamentos dos povos Suruí e Gavião.
“Toda a sociedade tem muito o que aprender com essas populações indígenas e outras populações tradicionais, que detêm um conhecimento imenso sobre a flora e a fauna regional. Muitas vezes são conhecimentos empíricos que não estão relatados na literatura. E no momento que a gente começa a trabalhar com essas populações, a gente traz esse conhecimento para a área científica”, constata a anatomista da madeira.
Laise ressalta que ao longo do tempo essas populações desenvolveram usos adequados às propriedades das madeiras, utilizando as densidades e outras propriedades físicas ou mecânicas. “Quando a gente avalia um acampamento de longo prazo, ele é construído com uma madeira que tem uma resistência maior. Já um acampamento que eles fazem para um período de curta duração, para caça, por exemplo, eles já sabem qual madeira utilizar, de acordo com essa durabilidade. O mesmo ocorre em relação à escolha das madeiras para fazer os artesanatos”, conclui Laise.