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Quarta, 24 Abril 2024

Sistema de abastecimento de água é aliado ao manejo sustentável de gado na Amazônia

Sistema de abastecimento de água é aliado ao manejo sustentável de gado na Amazônia
É difícil pensar na produção de gado na Amazônia sem lembrar da derrubada de árvores para a formação de pastagens que vem devastando parte do bioma. Indo na contramão desse processo, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá instalou três sistemas de abastecimento de água para a criação de gado com o modelo de Pastoreio Racional Voisin (PRV) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã.

Com os sistemas, movidos a energia solar, os criadores, que praticam a pecuária de pequeno porte na região da reserva há décadas, podem melhorar a sua produtividade e a saúde do rebanho, sem a necessidade de desmatar novas áreas.

As ações atendem aos objetivos do projeto Mamirauá: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade em Unidades de Conservação (BioREC), que visa “reduzir e transformar práticas que geram conversão florestal desnecessária, degradação ambiental e emissões de gases de efeito estufa”. Dentro dessa lógica, é fundamental que os criadores locais tenham à mão alternativas que possibilitem a pecuária agroecológica e sustentável na reserva, que abriga produtores de gado há pelo menos 50 anos.

Foto: Jerusa Cariaga/Instituto Mamirauá
“Quando as pessoas falam em criação de gado dentro da Amazônia, vem junto aquele peso do desmatamento. Mas, quando você lida com criadores tradicionais, entender a lógica de criação e entender que os campos já existem há muito tempo é muito importante. ”, afirma Jerusa Cariaga, pesquisadora do Programa de Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá.

O pastoreio racional

Sem a alternativa oferecida pelo sistema de Pastoreio Racional Voisin, o gado na região da reserva era (e ainda é) criado solto para pastar e beber a água do rio. Essa maneira de criação pode, eventualmente, empobrecer o solo, o que acarreta na procura dos animais por alimento em propriedades vizinhas ou na necessidade da derrubada de áreas de floresta para a criação de novas pastagens.

Outra problemática do antigo modelo está no consumo da água diretamente do rio pelos animais. Em um rebanho do tamanho dos que foram beneficiados pelo projeto – entre 30 e 40 cabeças - é comum que apenas os primeiros indivíduos a chegarem ao rio bebam água de qualidade. O resto do grupo fica com a lama – resultado do solo mexido pelos primeiros a chegarem. Há também o risco de atolamento dos animais, que pode causar perdas inesperadas para o criador.

No sistema PRV, idealizado pelo cientista francês André Voisin, são delimitadas áreas – denominadas parcelas - onde o gado fica confinado. Essas áreas abrigam o pasto que será consumido pelos animais, que ficam no máximo três dias em cada parcela. Além de se alimentar, o rebanho defeca e urina no solo, o que fertiliza a vegetação e permite que a pastagem se recupere enquanto as outras parcelas são utilizadas.

“O PRV é uma tecnologia agroecológica que não causa a dependência de insumos externos, como fertilizantes sintéticos.”, destaca Paula Araújo, veterinária do Instituto Mamirauá, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Queremos que, com os recursos que o criador dispõe no local, ele consiga produzir e produzir com qualidade”, complementa.
Foto: Amanda Lelis/Instituto Mamirauá
A água

Para que o sistema PRV seja implementado de forma eficiente, os animais devem ter acesso à água dentro das parcelas. Essa necessidade revelou-se um desafio na região da reserva Amanã, isolada geograficamente pela enorme quantidade de rios que cortam o local. Por essa razão, as comunidades da reserva sofrem com a ausência de cabeamento elétrico público, o que obriga os comunitários a recorrerem ao uso de fontes alternativas de energia.

 
Sem energia elétrica, é dificultado também o acesso à água encanada – que necessita de bombeamento até os reservatórios. Para superar esse desafio, o PMA recorreu ao Programa Qualidade de Vida (PQV) do instituto, que há 20 anos trabalha com a instalação de placas solares para levar água encanada a diversas comunidades de reservas ambientais da região do Médio Solimões, no Amazonas.

 
A energia solar, mais barata a longo prazo que os geradores a diesel, mostrou ser a alternativa mais adequada ao projeto. Como em outros sistemas de abastecimento projetados pelo PQV, as placas solares foram colocadas em balsas flutuantes, o que evitaria problemas com o alagamento anual de parte das áreas da reserva.

 
Foram projetados três sistemas de captação e distribuição de água, que vai do rio (em um dos casos, de um poço) até um reservatório suspenso e de lá seria distribuída até um bebedouro móvel, capaz de atender a todas as parcelas. O bebedouro conta ainda com um sistema que, através de uma boia, automatiza a reposição de água. O projeto trabalha com a ideia de que o reservatório deve ter capacidade suficiente para fornecer água aos animais por pelo menos três dias. Isso permite que os criadores tenham tempo hábil para a solução de possíveis problemas no sistema.

 
Colaboração com produtores ribeirinhos

 
Segundo Jerusa Cariaga, a participação dos produtores ribeirinhos foi constante em todo o processo, desde a elaboração do projeto até as obras de fato. Ficou estabelecido que a construção do sistema seria feita em parceria com os ribeirinhos. “Eles coletaram a madeira nos roçados deles e na vizinhança, então não precisamos derrubar uma árvore sequer para implementar o sistema. ”, conta a pesquisadora.

 
Os sistemas de dois dos três locais escolhidos para a implementação já estão, desde dezembro, funcionando parcialmente, com as placas solares e os reservatórios devidamente instalados. Os produtores têm agora a responsabilidade de adquirir e instalar o encanamento necessário para a distribuição da água, que já chega até o gado, mas ainda é levada manualmente.


“Esses sistemas são extremamente eficientes. A gente consegue encher os reservatórios de 2.000 litros em 30 minutos, quando o sol está forte, e 1h40 se o dia está fechado.”, complementa Jerusa Alves.

 
Os sistemas de abastecimento de água projetados para Monte Sinai, Igarapé do Gavião e Sítio Cacau, na reserva Amanã, são modelos experimentais que apresentam uma solução alternativa eficiente para a criação de gado de pequeno e médio porte na Amazônia. As ações do BioREC são realizadas com recursos do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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